Arquivo | janeiro, 2009

Leitura de Férias: Por um Fio

16 jan

 

Primeiro post de 2009. Ainda de férias, escrevo para contar um pouco sobre o que li nos primeiros dias deste ano. O livro foi emprestado por um de meus cunhados, que é médico. Trata-se de “Por um fio”, do também médico Drauzio Varella.

A leitura desse livro me fez lembrar alguns momentos de minha infância (ou seria pré-adolescência?) em que eu cogitava a possibilidade de ser médico. Não sei quão consciente seria esse desejo, até porque há alguns aspectos do exercício da medicina para os quais imagino não ter muito preparo, como por exemplo: sentir náuseas diante de traumas graves e possibilidade de sofrer queda de pressão sangüínea ao imaginar a dimensão da dor alheia. Talvez isso não impeça de fato o trabalho de um médico, mas certamente dificulta e seria algo que precisaria ser melhorado em mim, caso eu exercesse tal profissão.

De todo modo, ler esse livro fez-me sentir grande admiração pela vocação dos verdadeiros médicos. E o que seriam os verdadeiros médicos? Qual sua função? Qual o papel da medicina? Conforme diz o próprio Drauzio: “na medicina, curar é objetivo secundário, se tanto. A finalidade primordial de nossa profissão é aliviar o sofrimento humano” (pág. 147). Ou ainda: “Todos conhecem a sensação de prazer que o trabalho bem realizado traz ao espírito humano, mas não posso imaginar outra atividade capaz de retribuir o empenho profissional com tanta generosidade como a medicina o faz” (pág. 197).

O autor relembra diversos casos de pacientes terminais com os quais ele teve contato em sua longa experiência médica, sobre os quais tece interessantes comentários a respeito da perda, da dor, do sofrimento e da morte, mas também do aprendizado e da sabedoria que podem advir desses momentos.

Embora eu pouco ou nada conheça de medicina, o texto é cativante e compreensível. Convida-nos a pensar na fragilidade e brevidade da vida, mas também a beleza do viver e o milagre de existirmos. Ao contrário de muitos médicos, Drauzio tem uma visão mais ampla, além da simples materialidade de nossa condição humana.

 

De modo especial, encantou-me o penúltimo capítulo, pois me parece conter o grande aprendizado que este médico desenvolveu ao longo de sua carreira, conforme os casos relatados nos demais capítulos ajudam a ilustrar. Talvez a mensagem principal do livro seja aquela contida nesse que é, em minha opinião, o capítulo-síntese. Por isso, destaquei os seguintes trechos:

“A angústia causada pela impossibilidade de comprovar por meios racionais se existe vida depois da morte acompanha a humanidade desde seus primórdios. Imaginar que nos transformaremos em pó e que capacidades cognitivas adquiridas com tanto sacrifício se perderão irreversivelmente é a mais dolorosa das especulações existenciais.

(…)

Seria lógico esperar, então, que o aparecimento de uma doença grave, eventualmente letal, desestruturasse a personalidade, levasse ao desespero, destruísse a esperança, inviabilizasse qualquer alegria futura. Mas não é isso que costuma acontecer: vencida a revolta do primeiro choque e as aflições da fase inicial, associadas ao medo do desconhecido, paradoxalmente a maioria dos doentes (…) conta haver conseguido reagir e descoberto prazeres insuspeitados na rotina diária, laços afetivos que de outra forma não seriam identificados ou renovados, serenidade para enfrentar os contratempos, sabedoria para aceitar o que não pode ser mudado.

(…)

Custei a aceitar a constatação de que muitos de meus pacientes encontravam novos significados para a existência ao senti-la esvair-se, a ponto de adquirirem mais sabedoria e viverem mais felizes que antes, mas essa descoberta transformou minha vida pessoal: será que com esforço não consigo aprender a pensar e agir como eles enquanto tenho saúde?” (págs. 203 a 206).

São reflexões profundas e muito bonitas. Muitas vezes apenas damos o devido valor à nossa existência quando a sentimos ameaçada. Mas, mesmo que sejamos física e mentalmente sadios, todos estamos sujeitos à morte. Parece-me que o início da Sabedoria é reconhecer que a qualquer instante pode vir o último suspiro, e a partir disso buscar viver mais plenamente, dando valor e atenção a coisas que realmente importam.