Arquivo | agosto, 2010

Bucolismo homeopático

29 ago

Em algum dia dessa semana, passando por um portão que cotidianamente passo, o porteiro sorridente interrompeu a minha caminhada. Primeiramente, quis oferecer um presente para o João, meu filho que recém nasceu (domingo passado). Em seguida, começou algum assunto que não sei bem qual era, mas que no vaivém das palavras enveredou para o tempo em que ele era funcionário em uma fazenda no interior de São Paulo.

(Nota: Eu sei que Campinas também é interior de São Paulo. Mas quando ele fez referência ao “interior”, percebo que ele quis dar o significado de algum lugar onde muita gente vive na zona rural, em um ritmo de vida mais pacata).

E ele então lembrou-se da fartura de alimentos que cultivava, das viagens à cavalo, das árvores e dos passarinhos. Eu disse a ele que ainda pretendo morar em uma chácara, de plantar um pomar, de cultivar uma horta e ouvir pássaros cantar. Ele disse que concordava, e que gostaria de fazer o mesmo. Rimos juntos e nos despedimos.

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Em outro dia, trafegando por um trajeto há muito tempo conhecido, de repente constatei lucidamente algo que há anos já estava ali: aqueles morros que compunham uma verde paisagem bonita, foram tomados por vários condomínios de luxo, onde se apinham suntuosas casas e onde – agora – o verde inexiste. O espanto foi como se pela primeira vez eu realmente tivesse visto aquela cena já tão conhecida. E percebi em meu coração que eu preferia a paisagem verde de antes…

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Nesse mesmo dia e nesse mesmo trajeto conhecido, passei por um campo onde até alguns dias atrás se estendia majestoso um solar campo de girassóis. Um tapete verde e amarelo bonito que fazia florescer meu sorriso. E então, sempre ao passar por esse campo, eu dizia para mim mesmo: “seria bom eu lembrar de trazer a câmera fotográfica para registrar o esplendor desse campo de girassóis”, mas eu me esquecia da câmera todas as vezes. Dessa ultima vez que passei pelo campo, restava apenas um tapete de terra e de saudades. E percebi em meu coração que amo os girassóis…

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Ontem (sábado), passei por uma árvore estupenda e de florada magnífica. Contemplei-a tão longamente quanto o momento me permitiu. Pensei que provavelmente fosse uma quaresmeira, mas não tinha certeza. E, como pessoa criada na cidade desde pequeno, senti-me um pouco triste por não reconhecer as árvores…

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Hoje (domingo) pela manhã, ocorreu a Corrida TVB aqui em Campinas. Da janela da sala, enquanto tomava café da manhã, pude acompanhar uma pequena parte do trajeto da corrida. Aquela avenida sempre tão movimentada, sempre tão abarrotada de automóveis e barulhos, parecia descansar e se massagear com as passadas dos corredores que pisavam o asfalto. Embora seja um exagero comparar com a cena da Avenida Paulista vazia de carros e cheia de esportistas na São Silvestre, essa paisagem que presenciei na manhã de hoje também é um tanto quanto rara. Algum tempo depois a corrida dos esportistas acabou, e tudo tomou seu lugar com a corrida dos carros.

Senti saudades de voltar a correr, depois de quase um ano sem treinar.

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Country House - Rose Evenson

Põe o quanto és no mínimo que fazes

21 ago

Nessa semana que passou, tomei contato pela primeira vez com um texto que me pareceu bastante significativo. O texto faz parte de um livro bíblico, o Eclesiastes, cuja autoria é tradicionalmente atribuída ao sábio Rei Salomão. De fato, sua sabedoria está exemplificada nesse texto a que me referi:

Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque na sepultura, para onde tu vais, não há obra, nem indústria, nem ciência, nem sabedoria alguma.

(Eclesiastes, capítulo 9, versículo 10)

É interessante ressaltar que, apesar de fazer parte de um livro religioso, foi apresentado a mim em um contexto profissional e motivacional.

Imediatamente, lembrei-me daquele poema de Ricardo Reis (Fernando Pessoa):

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

Trata-se de “fazer com paixão”, de “dedicar-se com todo o coração”. Esse talvez seja o segredo de estar aqui e agora. A maneira de estar verdadeiramente presente. E para isso, ensina-nos Ricardo Reis, é preciso ser inteiro: nada teu exagerar ou excluir. Ou seja, ser você mesmo, ser aquele que sua alma revela.

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Lua cheia

Em cada lago a lua toda brilha, porque alta viva

Reflexões sobre o tempo

12 ago

Nós nascemos e fomos educados em uma sociedade de relógios, calendários e prazos. Isso é fato, não é?

Há poucos dias, soube da existência de culturas aborígenes que não têm relógios. E aí a gente se pergunta: então como é que eles medem o tempo? E a resposta é tão simples quanto o “sistema de horas” dessas culturas: existem apenas o “agora” e o “todos os demais tempos”.

E isso me fez refletir sobre a relatividade do tempo, essa medida dada pelos nossos relógios e calendários.

Você já deve ter vivenciado alguma experiência em que o tempo parecia suspenso. Em geral, situações assim costumam ocorrer nas ditas experiências místicas, nas experiências de transcendência (em que a nossa noção de “tempo linear” é um dos aspectos transcendidos).

Veja esse exemplo da relatividade do tempo: uma hora ao lado da pessoa amada pode “passar voando” como se fosse alguns minutos, enquanto que alguns minutos preso no congestionamento (ou qualquer outra situação desagradável “de sua preferência”) pode parecer uma eternidade. Fazer algo que gostamos geralmente nos confere essa sensação do tempo suspenso: “puxa, já faz todo esse tempo que estou fazendo isso?”. Penso que é uma situação desse tipo que está poeticamente retratada na bela canção Tarde em Itapoã: “E nos espaços serenos / sem ontem nem amanhã / dormir nos braços morenos / da lua de Itapoã“.

Nesses últimos dias, tendo que lidar com essa questão (sensação de falta) de tempo, essas reflexões vieram à tona. E um certo desejo de, pelo menos às vezes, ir além dos “padrões temporais” do mundo. Transcender… (em alguma Itapoã, de preferência).

Se você tiver tempo :-), pense nessas questões: Em que situações eu me esqueço do tempo? Que momentos atemporais eu já vivenciei? Quando tenho nítida consciência da passagem acelerada do tempo?