Tag Archives: Futebol

Êxtase e Luto do Gol – Lições de Vida a partir de uma Filosofia de Futebol

31 mar

Quando “nosso” time marca um gol, nós, jogadores – mas principalmente nós, torcedores – ficamos num estado de êxtase, assinalado num transe bem definido, que consiste em saltar e agitar os braços e – menos – as pernas, ao mesmo tempo que se grita, em estado de alta tensão emocional, indefinidamente “gol, gol”. Nesse estado, podemos abraçar desconhecidos, erguer do banco ou do chão do estádio ou da sala de televisão quem insistir em ficar sentado, movidos pela pura força de nossos braços, que não imaginaríamos, em circunstâncias normais, capazes de levantarem outra pessoa adulta. É um estado de êxtase, comparável ao transporte religioso ou ao transe espiritual da umbanda, comparável ainda ao estado de embriaguez provocado pelo álcool ou outra droga qualquer. Mas esse triunfo do irracionalismo no futebol, aliás universal, é momentâneo. Segundos após o gol nos recompomos, para estarmos em situação de apreciar objetivamente o prosseguimento da partida. Em todo modo, o gol representa o triunfo da Vida sobre a Morte, o triunfo do dinamismo sobre o imobilismo – já que os jogadores e a bola são móveis e o gol é imóvel. Na verdade, o gol apresenta muito mais coisas e não podemos resumir o seu significado aqui. Bastam essas indicações.

A esse momento do Êxtase do Gol corresponde um movimento igual e contrário, de Luto do Gol, caso “nós” torçamos ou joguemos para o time que levou o gol. Isso caso não haja modo nenhum de protestarmos contra o roubo do juiz, não exista hipótese nenhuma de alegarmos que o gol foi ilegítimo. Outra atitude possível é verberarmos o comportamento de “nossa” defesa, retirando no mesmo momento o possível mérito do adversário ao fazer o gol, devido tão somente a uma falha “nossa”. Mas a atitude típica é o Luto do Gol, o gol adversário nos faz passar pela experiência da Morte Próxima. Ficamos em silêncio respeitoso, como atitude exterior – e também em atitude de descanso, de repouso solene como num velório, em que é importante estar sentado e raramente nos levantarmos. Por dentro, meditamos sobre assuntos como a precaridade da existência, a instantaneidade da vida. Pouco a pouco, porém, vamos nos refazendo daquela impressão fortemente dolorosa que o enfunar das redes pela bola naquele momento adversária nos faz sentir. Notamos que nosso time imediatamente se prepara para dar a Saída Depois de um Gol. Começamos a conversar com nossos companheiros, sejam torcedores como “nós” ou jogadores como “nós”. Começamos imediatamente a arquitetar o “nosso” gol.

Portanto, pelo Êxtase e pelo Luto do Gol, o futebol nos prepara para as grandes experiências da vida. Na medida em que tenhamos desde a infância uma grande bagagem futebolística isso nos ajuda a enfrentar as agruras e as felicidades da vida. Aprendemos, pelo futebol, que nem infelicidade nem felicidade são eternas, tudo é uma questão de momento complexo.

Extraído de: POMPEU, Renato. A saída do primeiro tempo. São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1978, págs. 144 e 145.

Minhas lembranças de Copa do Mundo – parte 1

11 maio

A notícia de hoje, sobre a convocação da seleção brasileira para a Copa do Mundo, trouxe-me algumas lembranças sobre essa competição. Gostaria de falar sobre isso, sobre essas minhas lembranças (afinal, comentários sobre “a seleção do Dunga” já há muitos por aí).

***

Quando criança, gostava muito de futebol. Hoje ainda gosto, mas talvez agora tenha perdido a paixão e o olhar encantado que outrora me fazia sonhar com esse esporte.

Nesses 30 anos de vida, e provavelmente uns 25 anos de gosto pelo futebol, recordo-me de ter assistido a seis Copas do Mundo. Desde que nasci, em 1979, foram disputadas sete competições, mas a Copa de 1982 eu não consigo me lembrar: justamente aquela em que se apresentou a melhor seleção brasileira desde que eu nasci. Em minha opinião, as seleções de 70, 58 e 82 (nessa ordem) foram as melhores representantes do futebol arte que agora pouco se vê no Brasil (e no mundo). Nunca as vi jogar “ao vivo”, mas os diversos videoteipes que já assisti assim me convenceram…

Mas estou divergindo. Voltando ao assunto sobre as Copas que assisti e me lembro, dentre as quais infelizmente não posso citar 1982. Nas competições seguintes, assisti a todos os jogos do Brasil, além de diversos jogos envolvendo outras seleções. A primeira delas foi, portanto, em 1986…

Continue lendo

Reflexões sobre futebol

4 fev

 

Eu sempre gostei de futebol. Quando criança, essa paixão se manifestava de muitas formas: nas partidas quase diárias do campinho atrás do prédio em que morava, nas coleções de álbuns de figuras, no conhecimento da história das Copas do Mundo, ao assistir aos jogos (qualquer tipo de jogo) pela televisão, ou ao comparecer nas arquibancadas do Moisés Lucarelli. Aos poucos, essa paixão foi se abrandando. Mas, apesar do meu saudosismo em matéria de futebol, ainda aprecio muito o esporte.

Portanto, em que pese o assunto muito particular, e o provável desgosto de alguns eventuais leitores sobre este tema, pretendo falar um pouco sobre isso. Sim, futebol.

A rodada deste fim de semana que passou me fez rememorar a fatídica final do Campeonato Paulista do ano passado. Nova derrota da Ponte Preta para o Palmeiras. Ou, o que é pior: para o time “misto” (quase reserva) do Palmeiras, em Campinas. Seguiram-se algumas outras memórias a reboque. Em seus atuais 108 anos de história, o escrete alvinegro de Campinas ainda não se sagrou campeão em uma competição futebolística. Entre seus melhores desempenhos, destaco um terceiro lugar brasileiro em 1981 (quase-quase), cinco vice-campeonatos paulistas em 1970, 1977, 1979, 1981 e 2008 (quaaaaase), e um vice-campeonato do Campeonato Brasileiro da série B em 1997.

Enfim, torcer pela Ponte Preta (minha sina) tem sido assim até então. Não debutamos entre os seletos campeões de futebol dessa “pátria de chuteiras”.

Quando eu era garoto, entre meus 7 a 10 anos (meados e fim da década de 80), os meninos organizávamos um campeonato de futebol de botão, diversão que preenchia muitas tardes de nossas férias (e eventualmente, embora com menos freqüência, também os dias letivos). Naquela época, não me lembro de haver essa “febre” por clubes europeus, como se observa entre os garotos de hoje: Milan, Chelsea, Manchester, Real Madri, e afins. O futebol tupiniquim parecia estar mais em alta, e o jogo era um pouco mais romântico e bonito de se ver (note meu saudosismo, novamente). Por isso, cada garoto escolhia um clube nacional (geralmente o de sua preferência, ou algum outro grande time caso o seu já houvesse sido escolhido), sorteavam-se grupos, cruzavam-se os times, formava-se a tabela e então os jogos começavam.

Lembro-me então que, em uma das edições destas épicas disputas, certa vez cheguei à final do “campeonato brasileiro de futebol de botão da nossa vizinhança”, comandando orgulhosamente um punhado de botões da Associação Atlética Ponte Preta (como na maioria dos campeonatos em que então participei). Na outra metade do “estrelão” (nome dado ao campo do futebol de botão), estavam os botões do Clube Atlético Mineiro, comandados por um vizinho. E então, naquela fatídica tarde de verão, ocorreu a “batalha dos alvinegros”. Não me lembro exatamente o placar, lembro-me de ter feito alguns gols (e dá-lhe Chicão, o botão-centroavante da camisa número 9) e tomado outros tantos. E então, “crepúsculo de jogo”: “fecham-se as cortinas e encerra-se o placar” (como dizia Fiori Giglioti – haja saudosismo!). Por fim, a Ponte Preta foi… vice-campeã.